E tinha tudo para dar errado. Em uma noite de terça-feira, chuvosa, ficar entocado nos recônditos é um convite tentador. Mas a escolha da data estava associada à ausência de prováveis 7 em cada 10 bangers que compraram o ingresso, meses atrás: o cancelamento do magistral Absu. Segundo pessoas ligadas à produção, um simples trâmite burocrático impediu que os texanos legalizassem o visto para tocar em solo brasileiro.
O pedido deveria ser feito, no mínimo, com 30 dias de antecipação à data do show. Porém o amador – desculpe, mas foi – marcado com a incumbência, só cumpriu a simples função no dia 5 deste mês (!). O resultado foi o adiamento inicial da apresentação, inclusive do Absu, transferida da sexta passada, 16, para a data supracitada. Horas após a divulgação, o evento da terça estava confirmado, mas sem o Absu...
Isso gerou um sentimento de frustração generalizado, refletido em redes sociais, na galeria da praça 7 e nas conversas profanas de botequins. No fim das contas, um pequeno público compareceu ao Music Hall. Mas, como digitamos no começo do texto, tinha tudo para dar errado, mas não foi bem assim. Talvez tenha sido um fiasco financeiro para quem contratou as bandas, informação também negada pela produção, mas o público com certeza saiu satisfeito com o que viu, e ouviu.Mesmo que as três hordas tenham a mesma proposta ideológica – satânica, obscura, transgressora e hedonista, as sonoridades da tríade são bem distintas, confirmando o vasto campo a ser explorado, dentro de um estilo que muitos teimam em “crucificar”, alegando justamente a falta de criatividade.
A primeira a subir e tocar para um público ainda muito pequeno foi a Akerbeltz. Warhammer Midgard (vocal, baixo), Belial (guitarra) e Misanthorpic (bateria) trouxeram aquele black metal dos primórdios, embriagado na fonte venenosa criada por Tomas G. Warrior, Martin Ain e Cronos. Músicas como The Powerfull Pentagram, Under the Sign of Satan e Cult of The Shadows remetem aos tempos áureos dos endiabrados Celtic Frost e Venom. Não somente, a cara do trio mineiro fica muito evidenciada na homônima Akerbeltz, com rápidas palhetadas nas seis cordas, dadas pelo rotundo .
Um lance bacana, muito percebido em shows de música extrema na cidade, é o quão profícua é a nossa cena, com bandas fazendo trabalhos comparáveis aos dos gringos, sem a verba que muitos deles possuem. Outra prova da noite foi o
Incredulus,

o trio from hell chamado às pressas para amenizar o sofrimento de quem não mais assistiria ao Absu. Alheios à qualquer problema de ordem logística, Umbra Sordidus (baixo, vocal), Demogorgon (guitarra, vocal) e Itis Nocturnus (bateria, vocal) empunharam os machados e foram para a guerra.
Com um público já menos desfavorável em relação aos compatriotas, os três fazem o que vêm fazendo desde o começo do século. Black metal coeso, muitas vezes furioso, outras mais épico, cantado em português, e com um diferencial fascinante: todos os músicos revezam no vocal, algumas músicas cantando em duo, outras individualmente. Pérfiro Cortante e Fraternos Delitos, esta última com cara de hino, bradado nas profundas, merecem atenção especial.
Terminado o último show mineiro, hora da atração principal, mérito herdado do Absu. Outra grande supresa foi quando apenas dois músicos subiram ao palco. Geralmente, bandas de black metal quando possuem apenas dois membros, ou um, como, respectivamente, Darkthrone e Taake, logo convidam parceiros quando o lance é ao vivo. Mas Dagon (guitarra) e Incubus (bateria) subiram ao palco sem ninguém para olhar ao lado, apenas para frente, ou para trás. Dagon modulou sua guitarra para executar, também, linhas distorcidas de baixo – se a moda pegasse, muito baixista ia sifo.
O som que saía das seis cordas, atrelado ao trampo de Incubus, era hipnotizante. Nos primórdios, o trabalho da dupla era bem thrash metal, mas logo no primeiro disco a coisa já seguiu os rumos do capeta. Após três petardos, Dagon cumprimenta o público em castelhano e inglês. Isto porque ele, apesar de nascido nos EUA, morou grande parte de sua vida em Cali, na Colômbia, até retornar já mais velho para os braços do Tio Sam.
Músicas como Crush the Jewish Prophet e Empire of Luciferian Race fariam Jack e Meg White venderem suas almas e mudar o nome de White para Black Stripes. Dagon tem um vocal que ficaria entre os timbres de Attila Csihar (Mayhem) e Abbath (Immortal). Seus dotes guitarrísticos surpreendem pela desenvoltura e eficiência.
Deve ser uma função muito difícil não dividir o palco com muitos colegas. O espaço para circular é mais que o necessário, sobra aos montes. Dagon escolheu o seu cantinho, ao lado esquerdo do baterista, e sentou a lenha. Músicas como Cosmic Invocation Rites e Imperial Hymn for Our Master Satan flertam com um lado mais progressivo da banda, ensejando headbanging cadenciado e viagens subjetivas para quem escuta.
Após o soco no estômago dado com Ancient Monumental War Hymn, os dois músicos despedem-se do público e saem de cena. Logo após, Wagner “Antichrist”, do eterno Sárcofago, que curtia o show, foi convidado para ir ao backstage. Provavelmente para ser ovacionado, já que lá fora respeitam mais o cara do que aqui.
Uma noite para entrar nos anais (sodomize the dead!) do metal mineiro. O Curupira dá os sinceros parabéns para os true headbangers que fizeram o sacríficio de encarar uma quarta-feira numa ressaca do cacete. São vocês que mantêm a chama acesa... Hail!

Set List
AKERBELTZ:
1) Akerbeltz
2) The Powerfull Pentagram
3) Ave Lucifer
4) Under the Sign of Satan
5) Cult of the Shadows
6) Welcome to the Sabbath.
INCREDULUS:
1) O Alastrar das Obscuras Almas Ímpias
2) Erebo
3) O Negrume que Toma a Terra
4) Fraternos Delitos
5) Ovelha Boçal
6) Pérfuro Cortante
7) Finado.
INQUISITION:
1) Astral Path to Supreme
2) Nefarious Dismal Orations
3) Empire of Luciferian Race
4) Command of the Dark Crown
5) We Summon the Winds of Fire (For the Burning of All Holiness)
6) Where Darkness is Lord, and Death the Beginning
7) Embraced By the Unholy Powers of Death and Destruction
8) Imperial Hymn for Our Master Satan
9) Crush the Jewish Prophet
10) Cosmic Invocation Rites
11) Desolate Funeral Chant
12) Ancient Monumental War Hymn
De todos os subgêneros do heavy metal, o black metal parece ser o mais experimental e o que mais absorve referências alheias ao mundo vivido. Não que os outros estilos de peso não o façam, mas o BM o faz de uma maneira tão extrema e corajosa, que por vezes corre o “risco” de perder a identidade de mero gênero musical para se tornar uma espécie de ideal ético-estético-filosófico. São tantas as agremiações e propostas que fica difícil colocá-las dentro de uma mesma categoria.
Surgido nos anos de 1980, o black metal aventou para si o máximo da experiência sonora extrema. Grupos como Venom, Bathory e Hellhammer/Celtic Frost incorporaram tudo o que havia mais radical no rock dos anos de 1970 e início dos 80’s: o hard rock baseado no blues (Zeppelin, Purple, Sabbath, Motorhead, Kiss etc.), os primórdios do heavy britânico – se preferir, NWOBHM –, hardcore/punk rock, e o rock progressivo. Isso sem falar nas influências da música clássica e erudita (romantismo, Wagner, alemães, vanguardas e afins).
A segunda geração do BM surgiu na Noruega no final dos 1980’s e início dos 90’s. Fora toda a polêmica dos adolescentes-satanistas-terroristas-queimadores de igreja, o movimento ajudou a reinventar as bases do chamado metal extremo, incorporando várias inquietudes e elementos culturais da paisagem nórdica.
A partir do final dos 90´s e início do século seguinte, o estilo passou por diversos processos que envolviam tanto saturação de grupos, tocando e soando exatamente iguais, quanto alguns poucos desbravadores que tiveram – e têm – a coragem de vislumbrar novos horizontes para o gênero, a despeito da má vontade dos “truzêras” mais ortodoxos. Projetos como Gnaw their Tongues (Holanda), Xasthur (EUA), Deathspell Omega (França) surgem em várias partes do mundo tentando passar por cima da mesmice em que se meteu boa parte da cena mundial.
O Blut aus Nord, também da França, é um destaque dessa nova ninhada de hordas. Bebendo da água suja dos grupos de BM das décadas áureas – partindo da influência de vanguardistas como Celtic Frost, passando pelo minimalismo ambiental low-fi de grupos como Burzum e Thorns, até chegar na “zoeira fim de mundo” do Godflesh, o projeto “one man band” do malucão Vindsval, vem se consolidando como uma das promessas do atual metal negro, propondo novos paradigmas para se fazer a obscura arte.
Incorporando elementos como noise, industrial, música de vanguarda ou experimental, as gravações manipulam elementos pouco ortodoxos dentro do universo obscuro para atingir seu objetivo: explodir o laboratório com música extrema, desconfortável, ensurdecedora e horrorosa. No “bom” sentido, claro...
O projeto já soltou duas partes da trilogia 777 – Sect(s) e
The Desantification, em 2011. A terceira, ainda desconhecida, deve sair ainda neste primeiro semestre. Os álbuns lançados são a quintessência da “fórmula” (des)construída. É possível encontrar todos elementos descritos acima, elevados à enésima potência. O trabalho é dividido em epítomes, todas as canções se chamam Epitome, e seguem com a numeração I, II, daí em diante. Os discos se apresentam de uma maneira louca: atmosferas, texturas, camadas de teclados e batidas tribais - há uma presença constante da bateria eletrônica, golpes repetitivos e primitivos, vocais e efeitos que parecem gravados ao contrário e todo um climão ritualístico.
Absorvendo o lado mais selvagem e experimental das gerações black metal anteriores, 777 eleva o gênero a um novo patamar, onde ele começa a se transformar, tornando-se por vezes irreconhecível. Mas o espírito está lá: tudo o que é ruina, escuridão e sombra. Toda a força exercida por um gênero que em três décadas tem em suas fileiras artistas tão díspares quanto Dimmu Borgir, Mortiis e Sarcófago, por exemplo. Talvez alguns não chamem o projeto francês de black metal. Mas a maldade está lá.
A noite desta terça feira é para bater cabeça em BH! Claro, para os mais responsáveis, uma diversão limitada, já que a data não favorece aquele porre homérico e afins. Os colombianos/estadunidenses do Inquisition tocam na cidade, a despeito da verdadeira cagada que foi o cancelamento do show do Absu – apresentação aguardada por 10 entre 10 true-evil-bangers!
O show tem a participação especial das bandas mineiras Akerbeltz e Incredulus, atestando a proposta black metal da noite. O demoninho dos pés virados também estará presente e amanhã tem resenha completa aqui no blog, com fotos e comentários nada imparciais!